segunda-feira, 2 de dezembro de 2013



"As suas lágrimas. São dias inteiros chorando, às vezes enquanto vê um filme ou conversa comigo, enquanto borda, enquanto urina, um riacho ininterrupto rolando pra baixo. Nunca a vi chorar dormindo, mas chora quando a visitam sem que ninguém perceba ou para de chorar quando chega alguém e recomeça imediatamente quando sai. Às vezes fica com a cara péssima, mas em geral tem o rosto neutro. Chora por ser covarde, chora principalmente porque não pode parar de chorar. Não há ventos fortes nem tufões, mas uma monotonia de laguna excessivamente salgada onde os peixes não conseguem sobreviver, apenas alguns sargaços rancorosos e caranguejos pré-históricos. Também quando sorri ou gargalha e posso ver as suas amídalas, também então mergulha nessa laguna. Não há nada fora da sua melancolia, por mais que ela se esforce e diga as palavras que todos forcemos para que diga, e faça isso com extraordinário senso de medida, sem euforia, sem otimismo demais. A verdade é que não está indo a lugar nenhum, não se movimenta propriamente entre um ponto cardinal e outro, marcos de fronteira que seu mundo não inclui. Está sempre em sua laguna de água parada, em seu mar morto e escuro, sem a borda de uma praia. A sua doença pode durar para sempre e o que vivemos até agora transformar-se no prefácio de um livro escuro. A vida inteira assim, quarto, cama, internações, em vez da morte com seu desfecho - sua pá de cal, o muro do seu sepulcro, seus órfãos pequeninos. Ela pode, porque pode tudo, ficar exatamente como está, quietinha em sua laguna, em seu mormaço."

Nuno Ramos