quinta-feira, 29 de setembro de 2011

“Que privilégio de profundidade há nos devaneios da criança! Feliz a criança que possui, que realmente possui as suas solidões! É bom, é saudável que uma criança tenha suas horas de tédio, que conheça a dialética do brinquedo exagerado e dos tédios sem causa, do tédio puro. Em Memórias, Alexandre Dumas diz que era um menino entediado, entediado até as lágrimas. Quando sua mãe o encontrava assim, chorando de tédio, perguntava-lhe: -E por que é que Dumas está chorando? -Dumas está chorando porque Dumas tem lágrimas -respondia o menino de seis anos. Esta é sem dúvida uma anedota como tantas outras contadas nas Memórias. Mas como ela marca bem o tédio absoluto, o tédio que não é o correlativo de uma falta de amigos pra brincar. Não existem crianças que deixam o brinquedo pra ir se aborrecer num canto do sótão? Sótão dos meus tédios, quantas vezes senti tua falta quando a vida múltipla me fazia perder o germe de toda liberdade!”

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

"Sempre soube: mesmo quando mergulhado na rotina desolada daquele ano. Sentira sobre a minha cabeça o peso da maldição original; nem sequer valia ainda a pena debater-me: não havia possibilidade alguma de anulá-la. Deixei-me levar, indiferente, pelos caprichos do acaso: ao saber de um desejo, de um pesar ou de uma revolta. Seguia sempre em frente, alheio a tudo; meus passos, dentro da noite, não me conduziam a parte alguma. Desnorteados por um destino imprevisível, aguardávamos o raiar do dia para descobrir em que lodo nos havíamos irremediavelmente atolado."
Boy on the bike, what are you like
As you cycle round the town?
You're going up, you're going down
You're going nowhere
It's not as if they're paying you
It's not as if it's fun
At least not anymore
When your legs are black and blue
It's time to take a break
When your legs are black and blue
It's time to take a holiday

segunda-feira, 19 de setembro de 2011


"Volto do seu sonho, do seu corpo, como alguém que perdeu as pegadas na maré, na noite interminável. Como quando entro na livraria e o dia vai avançando, em qualquer hora haverá uma porta fechada, o escuro lá fora, o relógio. Como quando sei que o vinho vai acabar, o copo uma ampulheta, e você ficou lá dentro da memória. Como quando o charuto aceso está chegando aos seus dois terços, o telefonema tem que acabar, é hora de ir embora, e eu volto só, eu acenando para o nada.

Saio do sonho como quem não acredita, o peso da memória me arrastando, e tento aos poucos o café, o pão, a xícara branca com o sol das nove horas e o mundo ambíguo em volta, sem lábios.

É como começar a andar e os olhares que busco se desviam, o que é claro e intermitente na rua me perturba e foge, a cor das coxas e dos olhos.

É quando o fim de tarde se aproxima e perco tempo, me perco nesse labirinto de vozes mudas, olhos mudos, bocas que quero pintar mas não existem.

Descanso num café, numa página, numa taça. E escapo das ruas quando a noite é inútil. Quando o bar, onde o bar.

À margem do fascínio, na espera, no alimento do tempo, me arrisco a deixar de ser. No balcão, à beira da fronteira, conhaque e alguma coisa incerta no exercício das horas. O tédio da experiência nula.

O gosto pela ausência, a farsa do corpo que exaspera. A musa passa e eu não existo, meu corpo que se estende rumo a tudo. E temo que o desejo seja vício.

Imagino a fome desses passos, seu movimento alado. Eu tenho aquilo que falo, o que aniquila. Eu posso esse vislumbre em meio aos peitos. Eu tremo com essa língua oculta, a boca carne, rubra, lúbrica. Quando o corpo."

(via your heart of glass)
"Style is the answer to everything.
A fresh way to approach a dull or dangerous thing
To do a dull thing with style is preferable to doing a dangerous thing without it
To do a dangerous thing with style is what I call art

Bullfighting can be an art
Boxing can be an art
Loving can be an art
Opening a can of sardines can be an art

Not many have style
Not many can keep style
I have seen dogs with more style than men,
although not many dogs have style.
Cats have it with abundance.

When Hemingway put his brains to the wall with a shotgun,
that was style.
Or sometimes people give you style
Joan of Arc had style
John the Baptist
Jesus
Socrates
Caesar
García Lorca.

I have met men in jail with style.
I have met more men in jail with style than men out of jail.
Style is the difference, a way of doing, a way of being done.
Six herons standing quietly in a pool of water,
or you, naked, walking out of the bathroom without seeing me."

Bukowski

domingo, 18 de setembro de 2011

"O teu silêncio que me embala é a ideia de naufragar...
E a ideia de a tua voz voz soar a lira dum Apolo fingido..."
"A sua pessoa, como a sua música, era um poema elegante, o que representava para ele fonte de grande satisfação."
"(...) Absorto em se alhear de si, teu olhar é uma praga sem sentido...
Todas as minhas horas são feitas de jaspe negro,
Minhas ânsias todas talhadas num mármore que não há,
Não é alegria nem dor esta dor com que me alegro,
E a minha bondade inversa não é nem boa nem má..."
"Chopin amava a música. Amava o seu piano. Amava profundamente o som deste instrumento, que acompanhava os seus passos desde a infância até ao seu triste e melancólico fim...

O piano era o seu confidente. Ao piano, confessava as alegrias e as suas tristeías...

Através das notas, expressava os seus verdadeiros sentimentos; nelas, sentimos o toque do seu coração e a vibração da sua alma.

A música era a sua verdadeira paixão. A que nunca deixou de amar. A que nunca o traiu. Em que sempre se refugiava: nos momentos eufóricos ou nos momentos de profunda melancolia.

A música era a sua eterna namorada. A namorada do compositor, a do patriota, a do grande pianista, a do cavalheiro dos salões de Viena e Paris e a do pobre e doente gênio...

A música era para Chopin um mundo mágico, só seu, do qual não falava, nem escrevia. Nesse mundo, passa ele a maior parte da sua verdadeira vida, em completa solidão; aí, ele amou, esperou, sofreu, lutou, rebelou-se e conquistou - como sua Polônia que só, no mundo, sofreu, lutou, rebelando-se. O âmbito emocional da música de Chopin é tremendo, e é marca de seu talento único pelo qual logrou espressar toda essa emoção por meio de um simples instrumento, o piano, e muitas vezes com a estrutura magistral de composições curtas."
"No meu céu interior nunca houve uma única estrela...
Hoje o céu é pesado como a ideia de nunca chegar a um porto..."
"É isso que tem que ser evitado; é preciso não colocar estranheza onde não existe nada."
"O teu sorriso é uma nau com todas as velas pandas...
Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso...
E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas
Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso...

Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte...
O teu silêncio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto...
Minha ideia de ti é um cadáver que o mar traz à praia...,
e entanto
Tu és a tela irreal em que erro em cor a minha arte..."
"QUANDO EU era criança ou adolescente, pensava que a felicidade só chegaria quando eu fosse adulto, ou seja, autônomo, respeitado e reconhecido pelos outros como dono exclusivo do meu nariz.

Contrariando essa minha previsão, alguns adultos me diziam que eu precisava aproveitar bastante minha infância ou adolescência para ser feliz, pois, uma vez chegado à idade adulta, eu constataria que a vida era feita de obrigações, renúncias, decepções e duro labor.

Por sorte, 1) meus pais nunca disseram nada disso; eles deixaram a tarefa de articular essas inanidades a amigos, parentes ou pedagogos desavisados; 2) graças a esse silêncio dos meus pais, pude decretar o seguinte: os adultos que afirmavam que a infância era o único tempo feliz da vida deviam ser, fundamentalmente, hipócritas; 3) com isso, evitei uma depressão profunda pois, uma vez que a infância e a adolescência, que eu estava vivendo, não eram paraíso algum (nunca são), qual esperança me sobraria se eu acreditasse que a vida adulta seria fundamentalmente uma decepção?

Cheguei à conclusão de que, ao longo da vida, nossa ideia da felicidade muda: 1) quando a gente é criança ou adolescente, a felicidade é algo que será possível no futuro, na idade adulta; 2) quando a gente é adulto, a felicidade é algo que já se foi: a lembrança idealizada (e falsa) da infância e da adolescência como épocas felizes.

Em suma, a felicidade é uma quimera que seria sempre própria de uma outra época da vida - que ainda não chegou ou que já passou.

No filme de Arnaldo Jabor, "A Suprema Felicidade", que está em cartaz atualmente, o avô (extraordinário Marco Nanini) confia ao neto que a felicidade não existe e acrescenta que, na vida, é possível, no máximo, ser alegre.

Claro, concordo com o avô do filme. E há mais: para aproveitar a vida, o que importa é a alegria, muito mais do que a felicidade. Então, o que é a alegria?

Ser alegre não significa necessariamente ser brincalhão. Nada contra ter a piada pronta, mas a alegria é muito mais do que isso: ser alegre é gostar de viver mesmo quando as coisas não dão certo ou quando a vida nos castiga. É possível, aliás, ser alegre até na tristeza ou no luto, da mesma forma que, uma vez que somos obrigados a sentar à mesa diante de pratos que não são nossos preferidos ou dos quais não gostamos, é melhor saboreá-los do que tragá-los com pressa e sem mastigar. Melhor, digo, porque a riqueza da experiência compensa seu caráter eventualmente penoso.

Essa alegria, de longe preferível à felicidade, é reconhecível sobretudo no exercício da memória, quando olhamos para trás e narramos nossa vida para quem quiser ouvir ou para nós mesmos. Alguém perguntará: é reconhecível como?

Pois é, para quem consegue ser alegre, a lembrança do passado sempre tem um encanto que justifica a vida. Tento explicar melhor.

Para que nossa vida se justifique, não é preciso narrar o passado de forma que ele dê sentido à existência. Não é preciso que cada evento da vida prepare o seguinte. Tampouco é preciso que o desfecho final seja sublime (descobri a penicilina, solucionei o problema do Oriente Médio, mereci o Paraíso).

Para justificar a vida, bastam as experiências (agradáveis ou não) que a vida nos proporciona, à condição que a gente se autorize a vivê-las plenamente.

Ora, nossa alegria encanta o mundo, justamente, porque ela enxerga e nos permite sentir o que há de extraordinário na vida de cada dia, como ela é.

É óbvio que não consegui explicar o que são a alegria e o encanto da vida. Talvez eles possam apenas ser mostrados: procure-os em "Amarcord" (1973), de Federico Fellini, em "Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas" (2003), de Tim Burton ou no filme de Jabor. "A Suprema Felicidade" me comoveu por isto, por ter a sabedoria terna de quem vive com alegria e, portanto, no encantamento.

Segundo Max Weber (1864-1920), a racionalidade do mundo industrial teria acabado com o encanto do mundo. Ultimamente, bruxos, vampiros, lobisomens, deuses e espíritos andam por aí (e pelas telas de cinema); aparentemente, eles nos ajudam a reencantar o mundo.

Ótimo, mas, para reencantar o mundo, não precisamos de intervenções sobrenaturais. Para reencantar o mundo, é suficiente descobrir que o verdadeiro encanto da vida é a vida mesmo."
“Nas artes também, a boa vida significa alguma coisa. Para o tipo de artista que pensa que arte deveria importar, ser profunda e linda, e faz o trabalho de converter as tragédias do mundo em procuradores para a amabilidade; o tipo de artista que pensa que a criatividade importa como fonte de inspiração para o criador e para o público; o tipo de artista que não ganha o Prêmio Turner ou aparece nos noticiários, ou quem, em um ato de mimetismo, não vende de volta aos super-ricos a sua ostentação como se fosse refinamento, ou age como se arte fosse uma questão de competição. Eu não sou crítico de arte, mas desconfio que o que é bom sobre o tipo certo de arte é o mesmo que o que é bom sobre a vida: fazer uma coisa melhor de algo cheio de falhas.”

Dr. Ben Irvine (Via Thais Beltrame)
"Cadeira de balanço é um móvel da tradição brasileira que não fica mal em apartamento moderno. Favorece o repouso e estimula a contemplação serena da vida, sem abolir o prazer do movimento. Quem nela se instale poderá ler estas páginas mais a seu cômodo. (...) Vamos sentar."

ternura.
"What amounts to a dream anymore?
A crude device; A veil on our eyes
A simple plan we'd be different from the rest
And never resign to a difficult life

Common fears start to multiply
We realize we're paralyzed
Where'd it go, All that precious time?
Did we even try to stem the tide?

Why should we waste it all?
Buying into the same old lines
The longer we wait around
The faster the years go by

It's not too late
To feel a little more alive
You can't escape
If only, start to break the ride

Darlin' we've been through this
So if you want to follow me you should know
I was lost then and I am lost now
And I doubt I'll ever know which way to go"
an oasis of horror in a desert of boredom.


(k.o e zooey)
"Ninguém pode ser o dono das culpas sozinho, nem a de destruir a si mesmo. Magnólia, nisso tudo, apenas colecionava seus besouros sem preocupar-se com método e ordem, passava os dias olhando as ilustrações ou recolhendo os minúsculos cadáveres, costurando-os em panos e trapos, tules e cetins. Magnólia levava consigo o aparente e o inexistente como se fosse salvá-los da eternidade em seu colo. Os vestidos são retos e serenos, alguma coisa neles esvoaça angustiada, mas é impossível saber com precisão o que seja, mais uma dessas coisas que sabemos existir porque faltam. Um dos vestidos ela usava em noites grossas de medo e dor: cinza-claro, chumaços de cabelo envoltos em pó fazendo na saia um belo jogo de transparências. Em Magnólia a solidão virou pano."
"Contar deforma, contar os fatos deforma os fatos e os tergiversa e quase os nega, tudo o que se conta passa a ser irreal e aproximado embora seja verídico, a verdade não depende de que as coisas tenham sido ou acontecido, mas de que permaneçam ocultas e sejam desconhecidas e não contadas, enquanto se relatam ou se manifestam ou se mostram, mesmo que seja no que parece mais real, na televisão ou no jornal, no que se chama realidade ou vida ou vida real até, passam a fazer parte da analogia e do símbolo, já não são fatos, mas se transformam em reconhecimento. A verdade nunca resplandece, como diz a fórmula, porque a única verdade é a que não se conhece nem se transmite, a que não se traduz em palavras nem em imagens, a encoberta e não averiguada, e talvez por isso se conte tanto ou se conte tudo, para que nunca tenha ocorrido nada, uma vez que se conta."

domingo, 11 de setembro de 2011

"The thing is you have to be faithful to what's inside yourself 'cause every person, inside themselves, they carry their own private universe. But every moment we're conditioned to ignore that, the media itself tends to massify people, they make everyone be the same, always the same, so there's this kind of person, the hard-working guy, a guy that likes TV, a guy that likes soccer and carnival, there's this script that tends to massify people and void their individuality. Art is one of the rare opportunities that you may have to express your individuality, but to express it to a collective, sometimes people don't even know they carry that opportunity inside themselves, so if you have a message to pass along, be true to whatever you feel, regardless of what anyone might think."

(galo)

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

"Passamos a usar cada vez com mais frequência o pronome "nós". É uma palavra estranha. "Amanhã eu vou fazer isso ou aquilo", a gente diz normalmente. Ou pergunta a outra pessoa, a "você" por exemplo, o que vai fazer. Isso não é difícil de entender. Mas de repente "nós" passa a ser a coisa mais óbvia do mundo. "Nós vamos de balsa a Langøyene para nadar?" - "Ou vamos ficar lendo em casa?" - "Nós gostamos da peça de teatro?" - E então, um dia: "Nós somos felizes".
Ao empregar o pronome "nós", a gente estabelece uma conexão entre duas pessoas com uma ação comum e quase faz com que elas se transformem em uma só. Muitas línguas têm um pronome especial para se referir a apenas duas pessoas. Esse pronome se chama dual, e designa as coisas que vão aos pares. Eu acho isso importante, pois às vezes a gente não é nem uma pessoa nem muitas. A gente é "nós dois", e o é como se esse "nós dois" fosse inseparável. São fabulosas as regras que passam a vigorar quando esse pronome é subitamente introduzido, quase como por um passe de mágica: "Agora nós vamos cozinhar." - "Agora vamos abrir uma garrafa de vinho." - "Agora vamos dormir." Não chega a ser absurdo falar assim? Em todo caso, é completamente diferente de dizer "Agora você precisa tomar o ônibus e ir para casa, eu estou cansado".
Quando a gente usa o dual, do qual a palavra "ambos" é um vestígio, passam a vigorar regras totalmente novas. "Nós vamos passear!" Nada mais simples, Georg, somente três palavras, e no entanto elas descrevem uma sequência de atos que interferem profundamente na vida de duas pessoas na Terra. E não é só em termos de quantidade de palavras que se pode falar em economia de energia. "Vamos tomar banho", disse Veronika. "Vamos comer." - "Vamos dormir!". Quando a gente fala assim, precisa só de um chuveiro. Precisa só de uma cozinha, só de uma cama."

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

http://www.ideafixa.com/entrevista-ilustrada-com-herbert-baglione herbert você é incrível.

domingo, 4 de setembro de 2011

"Na época, Veronika aguçou o meu olho para as pequenas sutilezas da natureza, e elas eram infinitas. A gente era capaz de colher uma anêmona ou uma violeta e passar vários minutos observando o pequeno milagre. O mundo não era um conto de fadas extraordinário e único?"
Onde vai você?
- Eu vim pra ver o mar
E o que vem buscar?
- Procuro o meu amor
A menina olhando o céu
Na vereda veio descansar
Quando a fonte a viu sorriu, refletiu mil sonhos pra lhe dar
Bela menina eu sou a fonte que o monte namorava
Moro na trilha que o riacho traçou no pó da estrada
Vê quanto eu já sofri, quanto eu me perdi
Volte para casa
E a menina olhando o céu
Prosseguiu viagem para o mar
Quando a fonte a viu chorou e pediu de novo pra voltar
Veja menina eu sou a fonte que o monte namorava
Hoje estou só pisando a pedra e o pó da minha estrada

Paulinho Tapajós

(via just a cute mess)

sábado, 3 de setembro de 2011

"Fico pensando... Do que será que a gente é feito, que a gente precisa dormir?"
"É uma maneira de descansar. Algumas pessoas acham que também precisamos sonhar."
"Por quê?"
A mãe respirou fundo.
"Não sei."
"Mas acho que eu sei a resposta."
"É mesmo?"
"Acho que é porque precisamos viajar bem longe nos nossos sonhos."
"Você pensa muita coisa estranha, Cecília."
"Há tanta gente que sofre tanto que talvez eles morressem de tanto sofrer se não tivessem também uns sonhos bons no meio de toda a tristeza."
"A gente chora quando alguma coisa é triste", disse a avó depois de um tempo. "E às vezes a gente também derrama uma lágrima quando alguma coisa é bonita."
"E quando uma coisa é feia, a gente não ri?"
A avó pensou um pouco.
"Nós rimos dos palhaços porque são engraçados. Ou, talvez, porque eles também são feios. Olhe só!"
Franziu o rosto numa careta horrosa, fazendo Cecília cair na risada.
A avó continuou: "Talvez uma coisa bonita às vezes nos deixe tristes porque sabemos que não vai durar para sempre. E rimos do que é feio porque sabemos que é só uma brincadeira".